Dívidas: O Que Acontece Quando o Devedor Morre
- Fernando Polonia
- 11 de jul.
- 4 min de leitura
Quando alguém morre, além da tristeza pela perda, surgem muitas questões práticas que podem causar ansiedade e preocupação aos familiares. Uma das principais dúvidas que afligem os herdeiros é saber o que acontece com as dívidas que a pessoa deixou. A resposta a essa pergunta é fundamental para que as famílias possam tomar decisões conscientes e evitar problemas futuros.
É importante compreender que nem todas as dívidas têm o mesmo destino após a morte do devedor. Algumas dívidas simplesmente "morrem" com a pessoa, enquanto outras precisam ser pagas. Essa diferenciação ocorre principalmente em função da existência ou não de seguros associados aos contratos.
Empréstimos consignados, financiamentos imobiliários com seguro prestamista, cartões de crédito com cobertura de seguro e empréstimos pessoais que possuem proteção securitária são automaticamente quitados quando a pessoa falece. Nesses casos, a seguradora assume o pagamento da dívida, e ela deixa de existir completamente.
Por outro lado, diversas obrigações financeiras permanecem após a morte e devem ser quitadas. Financiamentos sem seguro, dívidas tributárias como impostos, contas de consumo como água, luz e telefone, empréstimos sem cobertura de seguro e dívidas trabalhistas são exemplos de obrigações que persistem e precisam ser enfrentadas pelos herdeiros. Contudo, é fundamental esclarecer que os herdeiros não pagam essas dívidas com dinheiro do próprio bolso.
O princípio jurídico que rege essa situação é conhecido como "saisine", que determina que todos os bens e dívidas do falecido passam automaticamente para os herdeiros no momento da morte. Isso significa que a transmissão da herança ocorre de forma imediata, mas não implica que os herdeiros assumam responsabilidade pessoal pelas dívidas. Quem paga essas obrigações é o patrimônio deixado pelo falecido, ou seja, os bens, direitos e valores que a pessoa possuía em vida.
Após a morte, torna-se necessário descobrir e organizar todos os bens, direitos e dívidas da pessoa, conjunto que é tecnicamente chamado de espólio. Este processo deve ser iniciado em até 60 dias após o falecimento, e a família deve contratar um advogado especialista em sucessões para organizar adequadamente todos os elementos.
O inventário é o procedimento legal que identifica, avalia, regulariza e distribui os bens da pessoa que morreu, podendo ser realizado na Justiça quando há discordância entre herdeiros, ou no cartório quando todos concordam com a partilha, sendo esta última opção mais rápida e econômica.
O inventário deve incluir todos os bens como imóveis, veículos, joias, eletrônicos e obras de arte, bem como valores em contas bancárias, investimentos e dinheiro em espécie. Também devem ser considerados os direitos a receber, como aluguéis, salários e indenizações, além de todas as dívidas e obrigações financeiras existentes. A legislação estabelece uma ordem de prioridade para o pagamento das dívidas, começando pelas custas do inventário incluindo honorários advocatícios e taxas cartoriais, seguidas pelas dívidas trabalhistas, dívidas tributárias, dívidas com garantia real como financiamentos com garantia, e finalmente as demais dívidas como cartão de crédito e empréstimos pessoais.
A dinâmica do pagamento das dívidas funciona de forma bastante lógica. Se o patrimônio deixado for suficiente para cobrir todas as dívidas, elas serão integralmente pagas e o que sobrar será dividido entre os herdeiros. Por exemplo, se uma pessoa deixou cem mil reais em dívidas e um patrimônio de duzentos mil reais, todas as dívidas serão quitadas e cem mil reais serão distribuídos aos herdeiros. Contudo, se a situação for inversa, com quinhentos mil reais em dívidas e apenas cem mil reais em patrimônio, todo o patrimônio será destinado ao pagamento das dívidas seguindo a ordem de prioridade legal, parte dos credores ficará sem receber, e os herdeiros não receberão nada da herança, mas também não precisarão pagar os quatrocentos mil reais restantes.
Nessas situações em que as dívidas superam o patrimônio, os herdeiros têm uma opção muito importante: podem renunciar à herança. Quando fazem essa escolha, não recebem nada da herança, mas também não correm o risco de serem responsabilizados por nenhuma dívida. A renúncia deve ser feita em cartório ou judicialmente por todos os herdeiros, e representa uma decisão estratégica que pode proteger o patrimônio pessoal dos familiares.
É importante mencionar que alguns bens são protegidos por lei e não podem ser utilizados para pagar dívidas. O bem de família, que é o imóvel residencial onde a família mora, valores de pensão alimentícia e alguns tipos de seguro de vida são exemplos de bens, em princípio, impenhoráveis. Essa proteção existe para garantir que as famílias não fiquem em situação de desamparo total.
O processo de inventário envolve custos que ficam por conta dos herdeiros, incluindo honorários advocatícios calculados sobre o valor dos bens, custas cartoriais estabelecidas por lei e impostos como o ITCMD. Esses custos são inevitáveis e devem ser considerados no planejamento familiar.
Para quem tem parentes idosos, é recomendável manter documentos organizados, conhecer as dívidas e bens da pessoa, considerar a contratação de seguros para empréstimos e guardar informações sobre contas bancárias e investimentos. Essa organização prévia facilita enormemente o processo após o falecimento. Para quem perdeu um ente querido, é essencial procurar um advogado especialista em sucessões, levantar todas as dívidas e bens do falecido, avaliar cuidadosamente se vale a pena aceitar ou renunciar à herança, e evitar decisões precipitadas em momento de luto.
A morte de um ente querido já é um momento naturalmente difícil e doloroso. Compreender como funcionam as dívidas e a herança ajuda as famílias a tomar decisões mais conscientes e evitar problemas que podem se estender por anos. O princípio fundamental que deve ser sempre lembrado é que os herdeiros nunca pagam dívidas do próprio bolso. Ou as dívidas são pagas com os bens da herança, ou simplesmente não são pagas. A única exceção são os custos do próprio inventário, que representam o investimento necessário para organizar e regularizar a sucessão.
Quando houver dúvidas sobre qualquer aspecto da herança ou das dívidas, é sempre recomendável procurar orientação jurídica especializada. Cada caso tem suas particularidades específicas, e um advogado experiente em direito sucessório pode ajudar a encontrar a melhor solução para cada situação, considerando as peculiaridades familiares e patrimoniais envolvidas. O investimento em consultoria jurídica adequada pode evitar problemas futuros e garantir que os direitos de todos os envolvidos sejam respeitados.
Fernando Moreira Polónia - Advogado



